Por que direito está entre graduações proibidas de ter ensino a distância?

A nova política do MEC para educação a distância, assinada pelo presidente Lula, determina que cursos de direito sejam oferecidos exclusivamente no formato presencial.
Por que direito não pode ser EAD e o que dizem especialistas na área?
Professores da área defendem a decisão, e acreditam que o aluno tem mais ganhos nas atividades presenciais. Para Thiago Bottino, coordenador da graduação da FGV Direito Rio, as atividades majoritariamente presenciais são importantes para a prática do curso e o exercício da profissão. O presencial também facilita debates entre professores e alunos, afirma.
O direito tem não só a pretensão de dar conhecimento para os alunos, mas também desenvolver habilidades: oratória, negociação, simulação de julgamento, improviso, argumentação sob pressão. Tudo isso é mais bem desenvolvido no ambiente presencial.
Thiago Bottino, coordenador da graduação da FGV Direito Rio
O modelo presencial ajuda o aluno a ter "sensibilidade para tratar de questões jurídicas mais complexas e cada vez mais dinâmicas, como exige a sociedade atual", diz Carlos Eduardo do Nascimento, professor e membro do Núcleo Docente Estruturante do curso de direito do Mackenzie.
Bottino defende que, mesmo em atividades síncronas, em que a aula é online e ao vivo, a interação entre alunos e professores tende a ser menor do que no modelo presencial —o que foi observado durante a pandemia. Para Nascimento, as atividades presenciais colocam o aluno para vivenciar a futura profissão que escolheu.
O professor Marcos Porta, coordenador de direito da PUC-SP, diz que, mesmo nas aulas teóricas, a presença é importante. "Temos disciplinas teóricas, mas que são ministradas de maneira dialogada, então a relação pessoal e presencial entre os discentes [alunos] e professores é de suma importância para essa formação."
Temos [nos cursos de direito] simulações de audiência, debates, júris simulados, seminários, estudos de caso, apresentações, diversas atividades cuja eficácia com relação à proposta pedagógica é pertinente ao ambiente presencial. (...) Para o momento atual e para os normativos que temos hoje, o risco é de termos uma educação mais frágil [caso fosse aprovada a EAD no direito].
Marcos Porta, da PUC-SP
A decisão de só permitir cursos presenciais ajudaria a filtrar as graduações de maior qualidade no Brasil, na opinião de professores. Segundo a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Nacional, o Brasil tem hoje mais de 1.900 cursos de direito. No entanto, apenas 198 deles alcançaram o selo de qualidade da Ordem, de acordo com dados divulgados no ano passado.
Bottino questiona quantos cursos entregam o que os alunos, de fato, demandam. A prova da OAB é obrigatória por lei desde 1997 para qualificar um bacharel em direito como advogado, e tem índice de aprovação baixo: entre 20% e 30% do total de inscritos que realizaram a avaliação.
A restrição ao ensino a distância para o curso de direito também está relacionada com o fato de que é uma forma de proteger a sociedade de profissionais que não sejam bem formados, que é o que os dados sugerem.
Thiago Bottino, da FGV Rio
Se até a audiência é online, por que a aula não pode ser?
O curso de direito é bastante teórico, diferentemente de cursos da área da saúde, como medicina e enfermagem, com aulas práticas. No exercício da profissão, muitas vezes as próprias audiências acontecem de forma online, assim como as sustentações. Mas, para capacitar alunos, o ganho é maior quando essas habilidades são exercitadas presencialmente, na opinião de professores.
Depois de formado, o profissional se utilizará de inteligência artificial na sua rotina de trabalho para agilizar sua prestação de serviço. Mas ele só saberá lidar com a sensibilidade necessária [para a profissão] se tiver o devido preparo humanizado.
Carlos Eduardo do Nascimento, do Mackenzie
O que diz o MEC?
O Ministério da Educação explica, em sua página sobre cursos proibidos de serem oferecidos a distância, que "a formação em determinadas áreas e cursos se caracteriza pela centralidade de atividades práticas, laboratórios presenciais e estágios". "A garantia da qualidade da formação nesses casos é incompatível com o formato da educação a distância. Por esse motivo, o Ministério da Educação disciplinou sobre cursos e áreas que terão oferta vedada no formato EAD."
O que dizem as faculdades privadas?
A Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES) avalia que a formalização da proibição aos cursos de direito EAD "poderá gerar questionamentos jurídicos". Isso pode ocorrer principalmente em relação a processos que estavam em análise antes da publicação do novo decreto. Segundo a ABMES, como, até então, não havia uma proibição legal vigente, diversos processos de autorização de direito EAD tramitavam no MEC.
Algumas instituições de ensino superior --diante dosseus planejamentos institucionais-- fizeram, legitimamente, o pedido do curso na modalidade a distância.
ABMES, em nota
A ABMES afirma que seguirá acompanhando os desdobramentos da nova regulamentação, "especialmente quanto aos reflexos sobre os processos em tramitação e sobre o direito das instituições de pleitear modelos alternativos de formação, sempre com base na legalidade, na qualidade da oferta e na autonomia universitária".
OAB cita mercantilização do ensino
A OAB historicamente se manifestou contrária aos cursos de direito a distância. Em 2019, a Ordem foi à Justiça pedindo liminar contra a oferta de cursos de direito a distância. Segundo a entidade à época, falta regulamentação para autorizar os programas, que perdem qualidade sem a prática presencial.
Ao UOL, após o anúncio da nova política para a educação a distância, a OAB comemorou a decisão. "A medida atende a uma demanda histórica da OAB, que há anos alerta para os riscos da expansão descontrolada de cursos sem estrutura adequada. É um passo firme na valorização da formação jurídica e no combate à mercantilização do ensino", afirmou Beto Simonetti, presidente do Conselho Federal da OAB.
A formação de advogadas e advogados exige vivência acadêmica, prática supervisionada e contato humano --dimensões que não se realizam plenamente no formato 100% remoto.
Beto Simonetti, presidente do Conselho Federal da OAB
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.